A desvalorização da arte da docência é uma contradição total com os mais nobres valores humanos
No passado dia 7, Lídia Jorge, no discurso de agradecimento pela atribuição do prémio literário Urbano Tavares Rodrigues, promovido pela Fenprof e por uma seguradora com quem esta tem parceria, afirmou: “Nenhuma profissão como a do professor está no parto do futuro”.
Esta afirmação, na verdade, não é um mero sloganpublicitário, antes se trata de uma belíssima imagem literária que se adequa ao valor do trabalho de todos os docentes. Evidentemente que Lídia Jorge, dotada de uma visão imune aos venenos neoliberais das políticas educativas determinadas pelos interesses económico-financeiros dos últimos governos, vê para além da realidade transmitida à opinião pública pelos ataques diretos e soezes contra os professores e educadores no passado recente.
Apesar de a profissão docente existir desde que há humanos à face da Terra, hoje, não só não tem o reconhecimento que mereceria, pela sua importância na formação da sociedade presente e futura, como, em consequência disso, deixou de ser atrativa para os jovens.Hoje, a valorização social e a consequente atratividade das profissões são captadas, em grande parte, pelas que estão no centro do vórtice financeiro: banqueiros, economistas, gestores, administradores de grandes empresas, juristas especializados em esquemas de fuga e branqueamento de capitais…
A desvalorização da arte da docência é uma contradição total com os mais nobres valores humanos: sendo uma profissão altruísta, desinteresseira, construtora de futuros a partir dos saberes adquiridos pelos humanos desde os seus primórdios, é tida como uma profissão burocrática, mera reprodutora de conhecimentos e factos, estando ao serviço dos interesses momentâneos dos poderes político e económico-financeiro.
Porém, Lídia Jorge lembra o essencial: os docentes ajudam à construção do futuro. Na verdade, não podemos esquecer que qualquer trabalhador, independentemente do seu sucesso profissional, sem o contributo do conjunto de educadores e professores que teve ao longo da vida, teria ficado muito aquém do que alcançou, não só profissionalmente, mas também em qualquer área da sua vida. Efetivamente, os docentes, mesmo os menos marcantes, são os grandes responsáveis não só pela aquisição de novos saberes como dos valores essenciais ao crescimento pessoal e à integração social. Mais, sendo a educação um direito de qualquer cidadão, a profissão docente é a mais democrática e a menos elitista, pois trabalha com todos, independentemente da raça, cor, religião, credo, origem geográfica e, mais importante, riqueza ou estatuto social. Todos têm direito a sonhar com um futuro melhor, logo todos têm direito a quem os ajude a dar à luz esse futuro. Todos têm, pois, direito a usufruir do apoio de educadores e professores.
No entanto, não podemos esquecer o essencial nem abdicar das condições fundamentais para que seja possível acompanhar “os partos do futuro”: a profissão docente tem de se concretizar em ambiente de total liberdade criadora e independente dos apetites políticos e económico-financeiros.
Essa tem sido e continuará a ser uma das lutas fundamentais do SPM, porque, sem liberdade e independência, os docentes ficarão manietados e serão reduzidos à condição de meros funcionários administrativos dos governos. Ser professor é ser vidente, é saber que o que se semeia ou planta hoje só germinará no futuro e é ter a capacidade para esperar por esse momento de eclosão em que o semeador se sente realizado.
Obrigado, Lídia Jorge por nos recordares tudo isso.