Na presente conjuntura, é incontornável falar da pandemia que nos assola. O título não é fortuito e pretende manifestar a minha estupefacção perante o desconcertante comportamento evidenciado por significativo número de concidadãos nossos, que tive oportunidade de presenciar, numa recente saída minha, em localidade que não interessa nomear, por motivo de força maior.
A que devemos tamanho aparente atentado à nossa liberdade de movimentos e à nossa economia? A razão chama-se, como todos sabemos, SARS-COV2 e é um vírus identificado, no passado ano, na China. Esta sigla, supostamente complexa, é traduzida para português por Síndrome Respiratório Agudo Severo – Corona Vírus 2, porque um primeiro apresentou-se-nos já naquele mesmo país em 2002.
Aquele que agora nos “decidiu” infectar produziu uma doença que a comunidade científica convencionou designar de COVID-19, que na nossa língua significa Doença do Corona Vírus de 2019. Posto isto, deixa-me um tanto ou quanto surpreendido ouvir, por vezes, políticos, jornalistas, profissionais de saúde, cientistas e população em geral a tratar esta doença (a COVID-19) no masculino. Dirão alguns “olha-me este armado em esperto a dar lições de língua portuguesa quando nem para isso está habilitado”.
Aqui volto ao título que dei a este texto e às palavras que escolhi para o introduzir. Julgo que um número significativo de nós está a tratar o SARS-COV2 com a mesma negligência com que trata a nossa língua materna e não pode, porque o assunto é sério e mesmo muito grave.
Não nos confinaram às nossas habitações por mero capricho, ou por qualquer laivo de regime ditatorial – que me perdoem todos os que já o perceberam. Se a infecção se disseminasse rapidamente, muitos ficariam doentes, todos esses recorreriam aos hospitais e seria o caos no nosso Serviço Nacional de Saúde. Dirão os mais distraídos “e ficamos em casa por causa deles?” e estarão possivelmente a pensar nos mais idosos, nos doentes crónicos e outros com algumas morbilidades. Ainda por cima a mortalidade destes pouco ultrapassará os 10%, pensarão.
NÃO, todos NÓS! Atentemos na ideia de hospitais cheios, com doentes que infectariam todos os que os circundam, onde os profissionais de saúde adoeceriam, todos os hospitalizados veriam agravadas as suas condições clínicas e grande parcela sociedade seria atingida, nas melhores estimativas em 60%. Não seria só a COVID-19 a não poder ser tratada, seriam todas as patologias e urgências que chegassem aos hospitais, clínicas, centros de saúde… Cheios de doentes, com poucos profissionais disponíveis, com os diversos meios tecnológicos totalmente absorvidos, morrer-se-ia de praticamente tudo, nestes hospitais, não pela gravidade da ocorrência mas pela falta de assistência.
Felizardos por vivermos num arquipélago, estamos a perder a oportunidade de fazer a aprendizagem para combater eficazmente uma epidemia, porque como sempre pensamos viver “num cantinho do céu”; ou será antes um cantinho do inferno que só nos protege porque temos “mais sorte do que juízo”.
Não tenho saído mesmo, porque julgo que assim tem de ser, excepções feitas às saídas únicas e sublinho uma só à farmácia, ao supermercado e ao pão. Condói-me saber que muitos fazem alguma destas saídas (quase) diariamente. SIM, como pão com semanas do congelador. Volto aqui à sorte porque, se o SARS-COV2 estivesse mais disseminado entre nós, este comportamento faria de nós trágicas vítimas desta nossa irresponsável conduta.
Como comecei por vos contar saí. Por todo o lado via carros a circular, em número preocupante, mas mais preocupante o número de pessoas pela rua, sem máscara, que ultrapassavam a centena, a principal desculpa o exercício físico, aos pares e trios, de pessoas nitidamente de agregados familiares diferentes e pensei novamente na sorte.
Não podia deixar passar em branco a opinião, porque de uma opinião se trata, que a economia está a morrer. A economia não é uma vida, ela retrocede, definha, estagna, cresce mas ainda não a vi morrer. Fá-lo-á quando morrerem os seus atores, os Humanos.
Quem morre são os seres vivos, e “enquanto há vida há esperança”, “vão-se os anéis, ficam os dedos” e quando a Vida se for deixa de haver economia. A nossa experiência local em calamidades já nos mostrou que as pessoas devem estar sempre em primeiro lugar e que, quando as pessoas põem as coisas como prioridades suas, não se salva nenhuma, nem coisas nem pessoas.
Não termino sem satisfazer a curiosidade de quem me leu até aqui. Saí por força maior, porque o meu pai, já septuagenário, havia partido um braço e, do hospital, pediu-me apoio para o levar a casa.
Não o podia recusar, nem com toda a frieza do isolamento social. Tomando as medidas possíveis de protecção e distanciamento para nos protegermos, tinha de estar presente neste momento de fragilidade daquele que, tantas vezes, altruistamente, sem atender então a quaisquer cuidados de autoprotecção, me auxiliou.