“O stresse na profissão docente: causas, consequências, medidas a tomar” foi o tema da conferência que a Fenprof realizou na passada terça-feira, 2 de fevereiro, em Lisboa, com a participação da Dra. Ivone Patrão, psicóloga clínica/ARSLVT e docente no ISPA (Instituto Superior de Psicologia Aplicada), e do Dr. Marcelino Mota, psicólogo clínico e investigador. O Secretário Geral da Fenprof fez a intervenção de encerramento. João Cunha Serra, presidente do Conselho Nacional da Fenprof, moderou o debate.
A iniciativa decorreu no auditório do novo edifício da Assembleia da República, em São Bento, registando a participação de professores e educadores de diferentes regiões do país (álbum fotográfico).
O Professor Alexandre Tiedtke Quintanilha, presidente da Comissão Parlamentar de Educação e Ciência, que abriu os trabalhos da Conferência, valorizou a iniciativa da Fenprof, destacando a importância e a atualidade do tema em discussão. Solicitou ainda o envio das conclusões desta iniciativa àquela Comissão, o que “será, sem dúvida, um contributo para o enriquecimento do trabalho parlamentar”.
Com esta conferência, a Federação Nacional dos Professores pretendia reunir um ainda maior conjunto de elementos que sustentem a proposta apresentada à Assembleia da República, sob a forma de Petição, de criação de um regime excecional de aposentação dos docentes aos 36 anos de serviço.
Elevado desgaste
Como confirmam vários estudos, nacionais e internacionais, realizados nesta área, o exercício continuado da docência provoca um elevado desgaste físico e psicológico nos educadores e professores, que se reflete na qualidade das práticas pedagógicas e, por consequência, na própria qualidade do ensino.
O agravamento dos horários de trabalho e a alteração introduzida nos últimos anos ao regime de aposentação, consubstanciada na uniformização de regimes e no agravamento nas condições de tempo de serviço e idade, originam uma profunda injustiça, já que obrigam os docentes a trabalhar para além dos 66 anos de idade (o que, para muitos, significa exercer a atividade docente durante mais de 45 anos), retiram a professores e alunos o direito a condições condignas de ensino e de aprendizagem e dificultam a indispensável renovação geracional do corpo docente.
“Falta de reconhecimento”
“Stresse: um programa de desgovernação” foi o tema da comunicação do Dr. Marcelino Mota, em que caracterizou o stresse, abordou a “fisiologia do stresse” e explanou os agentes que o provocam e também as suas consequências. O psicólogo afirmaria a dado passo:
“Integrada no grupo das profissões de stresse, a profissão de professor, particularmente a associada ao ensino básico, em todos os ciclos, e ao ensino secundário, não beneficiando de uma seleção e preparação específica para enfrentar o stresse das funções (como pilotos, controladores de tráfego aéreo, etc) e embora não correndo o risco de morte (em princípio…), é penalizada por:
1. Sofrer de elevada intensidade e frequência de estímulos stressores;
2. Enfrentar difíceis condições laborais, sentir falta de reconhecimento ou até desvalorização do seu trabalho e ter excesso de carga horária;
3. Viver uma elevada responsabilidade para com terceiros;
4. Experienciar poucas consequências positivas na atividade, que façam reverter os efeitos dos agentes fisiológicos do stresse (quando existem são em diferido) e, finalmente…
5. Por a sua atividade oferecer um défice de consequências sociais positivas às reações de stresse.”
“Fica mais ou menos claro – concluiu Marcelino Mota – “que os professores só não fazem o pleno dos fatores que provocam stresse porque, por enquanto, não parecem correr riscos de morte”.
30% dos professores sofrem de burnout
Os professores são considerados um dos grupos profissionais mais vulneráveis ao stress profissional e ao burnout. É reconhecido que estes fenómenos afetam individualmente o professor e também o contexto educativo, pelo que a sua avaliação ganha pertinência. Ivone Patrão comentou um estudo que envolveu mil docentes, registando-se que cerca de 30 por cento sofrem de burnout – “professor queimado” ou “professor desgastado” no plano físico e psicológico.
Durante três anos – entre 2010 e 2013 – uma equipa de investigadores do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA) inquiriu cerca de mil docentes que davam aulas a alunos do 2.º e 3.º ciclos mas também do ensino secundário. O objetivo era perceber se existiam muitos docentes em stress ou burnout e, no final, descobriram que 30% dos professores estavam nesta situação, revelou à Lusa a investigadora do ISPA responsável pela coordenação do estudo, Ivone Patrão. “Esta percentagem fica um pouco acima dos números habituais registados nos outros países, que rondam entre os 15 e os 25%”, sublinhou a investigadora.
Em relação aos docentes, o inquérito do ISPA dá conta que a maior parte dos que apresentam sintomas de burnout são mais velhos, têm vínculo à função pública. A média de idades dos inquiridos é de 50 anos. O estudo revela ainda que existem entre 20 a 25% de docentes que sofrem de stresse, ansiedade e depressão.
Depois das apresentações dos dois conferencistas, foi dada a palavra ao auditório, de onde surgiram reflexões, comentários e perguntas que proporcionaram um interessante debate. Os caminhos para “lidar com o stresse” e a necessidade de repensar as condições de aposentação dos docentes, a par de um conjunto de apontamentos, baseados na experiência direta, de situações vividas nas escolas (onde há cada vez menos professores jovens), marcaram este momento da conferência.
Foram convidados deputados de todos os grupos parlamentares que integram a Comissão de Educação e Ciência. A deputada do PS, Susana Amador, acompanhou uma parte dos trabalhos da conferência. Na Mesa estiveram Emília Santos (PSD), Joana Mortágua (BE), Ana Virgínia Pereira (PCP) e Susana Silva (PEV), esta em representação da deputada Heloísa Apolónia. Todas dirigiram as saudações dos seus partidos à iniciativa da Fenprof.
“O burnout também atinge os docentes mais jovens”
Mário Nogueira fechou a Conferência, uma “iniciativa muito importante para a Fenprof”. Recordou a petição dirigida à Assembleia da República e sintetizou os motivos que levaram a pedir um regime especial de aposentação para os docentes, um tema que continua a marcar presença saliente nas reuniões sindicais que decorrem em todas as escolas do país.
Mário Nogueira falou do desgaste da profissão docente, da sobrecarga de trabalho que os professores continuam a enfrentar no dia a dia das escolas e das consequências da redução brutal de docentes, recordando algumas das políticas que governos anteriores usaram para, propositadamente, “dispensarem” profissionais da educação.
“O burnout também atinge os docentes mais jovens”, alertou o dirigente sindical, que chamou a atenção para as graves situações de precariedade, instabilidade e desemprego que se vivem no setor.
Rumo de mudança
O Secretário Geral da Fenprof sintetizou ainda alguns aspetos mais relevantes da reunião realizada a 1 de fevereiro no Ministério da Educação. Neste “tempo diferente”, a defesa e valorização da escola pública estão na ordem do dia. Mário Nogueira sublinhou, a propósito, que “devemos contribuir, com a nossa luta e a nossa intervenção, para o reforço deste rumo de mudança” e valorizou o clima de diálogo e negociação retomado na “5 de Outubro”.
A força, a unidade, a luta e a confiança, concluiu, são fundamentais, para encontrar respostas em todas as frentes, incluindo o direito a uma aposentação digna./JPO
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A propósito:
– Petição pela aposentação aos 36 anos de serviço