O trabalho invisível ao olho comum vai muito para além do previsto na legislação
Recorrentemente, aparecem na comunicação social opiniões que insistem na mítica ideia de que os professores são uma classe privilegiada, porque ganham muito e trabalham pouco. No entanto, tais opiniões são tão insustentáveis quanto o comum dos textos místicos, porque não explicam a razão pela qual a grande maioria dos candidatos ao ensino superior, quando confrontados com a possibilidade de enveredarem por um curso via ensino, respondem com um claro abrenúncio. Parece que os alunos ao terminarem o secundário andam tão desinformados que fazem as piores opções para o seu futuro. Ou, então, têm algum segredo tão bem guardado que o melhor jornalismo de investigação ainda não conseguiu penetrar no seu âmago.
Bom, deixemo-nos de mistério capazes de meter a Agatha Christie num bolso e vamos a um caso concreto.
No passado dia 5, a ALRAM aprovou a 4.ª alteração ao Estatuto da Carreira Docente da RAM, que prevê as reduções da componente letiva dos educadores e dos professores do 1.º ciclo, a partir dos 50 anos de idade. Foi o suficiente para, logo no dia seguinte, um jornalista da nossa praça afirmar que o “[…] horário dos professores até ao 1.º ciclo vai reduzir mais. Das 25 horas semanais, passarão para 24 aos 50 anos, para 22 aos 55 anos e para 18 aos 60 anos”.
Perante tanta teimosia, apetece baixar os braços, mas os professores nunca desistem, por mais relapsas que sejam as mentes. Por isso, uma vez mais, lembro, aqui, o que está ao alcance de qualquer pessoa que queira informar-se, bastando, para tal, que consulte a legislação, nomeadamente o ECD-RAM, que foi, agora, alvo daquela revisão. Está tudo clarinho a partir do artigo 72.º, que, no seu n.º 1, afirma: “O pessoal docente em exercício de funções é obrigado à prestação de 35 horas semanais de serviço” e, logo de seguida, no n.º 2: “O horário semanal dos docentes integra uma componente letiva e uma componente não letiva e desenvolve-se em cinco dias de trabalho”.
São constatações óbvias, já que é do senso comum que os professores não “inventam” as aulas quando estão diante dos alunos, nem fazem ou corrigem os testes com um estalar de dedos. Pelo contrário, tantas vezes, o trabalho invisível ao olho comum vai muito para além do previsto na legislação. Tantas vezes, só com trabalho suplementar é possível cumprir todas as responsabilidades docentes.
Assim, em forma de síntese didática, registe-se: os horários dos professores e dos educadores comportam uma componente letiva (a mais visível, porque com alunos ou crianças), uma componente de estabelecimento (outras atividades na escola) e uma componente individual (preparação de aulas, correção de testes e fichas, etc.). Por isso, com as reduções agora aprovadas, ao diminuir com a idade a componente letiva, reforçam-se as outras, sem que se reduza o horário das 35 horas semanais.
Por fim, uma nota final: qualquer análise que tenha em conta, apenas, uma dessas componentes é tão parcial que merece a mesma credibilidade que alguém que afirma que o cozinheiro só trabalha no momento em que serve a refeição, ou que o jornalista só trabalha quando escreve a notícia.