Toda a verdade sobre a recuperação do tempo de serviço na RAM
Nô mais, Musa,
nô mais, que a Lira tenho
Destemperada
e a voz enrouquecida,
E não do canto,
mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
(Camões, Lusíadas, Canto X, 145)
Vai longa esta crónica, que se pretendia curta e objetiva, mas a realidade humana reveste-se sempre de uma complexidade bem mais profunda do que a crosta que, à superfície, se manifesta.
Porque a história também é feita a partir de baixo, ou seja, do ponto de vista e da ação de heróis anónimos, como se afirmou no mês passado, na esteira da Nova História da Escola des Annales, aqui fica o registo de algumas das iniciativas mais marcantes da luta sindical docente, na RAM, nas últimas décadas:
Setembro-outubro de 2017 – equipas de dirigentes do Sindicato dos Professores da Madeira visitam grande parte das escolas da RAM, com uma mensagem simples: é possível conseguir a recuperação integral dos 9 anos, 4 meses e 2 dias congelados entre agosto de 2005 e 2017, porque a Região tem autonomia em matéria de educação, logo basta que os órgãos de competência regional (Assembleia Legislativa e Governo regionais) legislem nesse sentido. Apesar da singeleza desta mensagem, os preconceitos e a tradição de uma política educativa copiada do continente foram obstáculos difíceis de derrubar.
27 de outubro de 2017 – primeiro grande momento de luta coletiva pela recuperação do tempo de serviço: cerca de 300 professores e educadores manifestam-se em frente à Secretaria Regional de Educação pela recuperação integral do tempo de serviço. Este foi o momento da viragem, porque aqueles que sobrepunham o preconceito e a tradição às competências dos órgãos regionais, vendo as suas convicções abaladas por três centenas de colegas mais destemidos, convenceram-se de que a rua era inevitável.
15 de novembro de 2017 – menos de 3 semanas depois, mais de 800 docentes (números da PSP), liderados pelo SPM, enchem a rua junto à Assembleia Legislativa Regional e, depois, deslocam-se até à SRE para deixar claro que estavam dispostos a uma luta, sem tréguas, pela reposição daquele direito.
20 de dezembro de 2017 – data marcada pelo SPM para a 3.ª manifestação, que, entretanto, foi desmarcada, porque, poucos dias antes, o Secretário de Educação assume, em reunião com o SPM, que a recuperação era mesmo para concretizar, na RAM.
9 de maio de 2018 – face à demora na concretização da promessa, não restou ao SPM marcar nova manifestação. Seria a primeira que contaria com a participação de outra estrutura sindical. Foram, novamente, mais de 800 os que, entre a ALR e a Quinta Vigia, reafirmaram não desistir da reposição da justiça.
Junho de 2018 – o SPM marca uma greve às avaliações por tempo indeterminado – a primeira greve especificamente regional em dezenas de anos, que acabaria por ser anulada, após consulta aos sócios, no dia 13 de junho, depois de o Secretário de Educação ter apresentado ao SPM uma proposta concreta para a recuperação de todo o tempo de serviço congelado.
28 de dezembro de 2018 – publicação do DLR 23/2018, que regulamenta o processo da recuperação.
“Mãos dadas, uma só voz / Fez-se história a caminhar”
(Hino do SPM)