(Manifesto burlesco em defesa da Língua Portuguesa).
“Tasca, força!” é o convite que vimos recebendo do governo da República, integrado na maior campanha de combate à pandemia que nos assola há mais de ano e meio. Cansado de experimentar tantas estratégias, que, inevitavelmente, não produziam os resultados esperados, o Governo, através da DGS, descobriu o antídoto infalível para o SARS-CoV-2: a tasca. Não foi a descoberta da poção mágica, mas, antes, um regresso a uma forma ancestral de o Povo Português combater as maleitas. Na verdade, há muito que os Portugueses vêm provando o que os epidemiologistas não querem ver ou, quem sabem, preferem fazer de conta que não veem, para garantirem os seus empregos: nas tascas estão os mais potentes antivirais de que há memória. As provas são mais do que evidentes, como se pode demonstrar pela resistência inquebrável de quem toma umas boas ponchas da melhor aguardente de cana da Madeira. Noutras zonas do país, também se encontram remédios eficazes, como a aguardente vinícola ou de medronho, a ginjinha, o vinho do Porto, a jeropiga, o moscatel, os licores, entre tantos outros. Temos oferta para variar os 365 dias do ano.
É evidente que uma campanha desta envergadura não poderia ficar-se por um mero convite para os Portugueses regressarem às tascas, após meses de seca pública. Eis senão quando, os responsáveis da DGS contratam os melhores especialistas em publicidade e, zás-trás-pás, aí está o eureka bélico que arrasará o tão temido vírus. (Anda lá que já te apanhamos!). No entanto, atenção, isto é mesmo um assunto sério, não podemos ser simplórios, temos de ter classe. Nada de pronunciar as palavras encantadas no nosso sensaborão vernáculo. Isso não resulta. É assim: com a confiança de quem é rei daquém e dalém mar, grita-se com sotaque bem britânico “tásque fóóce!”. Depois, é ver a malta a correr para as tascas e o vírus a entrar em pânico, que não há quem o acuda.
Louvável tem sido a receção dos Portugueses a esta estratégia, não só na corrida às tascas, mas, sobretudo, na forma colaborante como passaram a replicar este abracadabra por todo o lado (não vá o vírus andar por perto) – ainda que muitos tenham de torcer e retorcer a língua para que a dicção seja a apropriada – num eco que ressoa até às entranhas, onde pode ter-se refugiado o último vírus. É assim mesmo, não seremos mais aqueles simplórios que usam uma língua rude que ninguém entende. Agora, somos cidadãos cosmopolitas. É o regresso à glória de antanho, ao nosso elemento natural, o mar salgado, que nos levou aos quatro cantos do mundo. Damo-nos bem em ambientes líquidos, por isso descobrimos caminhos molhados para todo o lado: primeiro para a Índia, depois para o Brasil e, finalmente, para a tasca, destino elevado, agora, a paraíso imune a qualquer vírus. Só nos faltava um capitão à altura de Vasco da Gama, um verdadeiro mestre da navegação. Vai daí, faz-se emergir um submarino e aí está ele, o vice-almirante que, conduzindo-nos pelas melhores tascas do país, nos levará à tão almejada imunidade.
Língua Portuguesa, a abrir horizontes há quase 900 anos!