Vale a pena saber ser resiliente, por mais difícil que seja dominar os ímpetos primários
Os dias que vivemos são favoráveis à reflexão sobre o papel e o destino da humanidade no planeta Terra. Por norma, em momentos de crise, as leituras extremistas, condicionadas por intenções nem sempre claras, são as mais frequente e as mais rápidas a surgir. Não faltam, por isso, os profetas da desgraça; os que garantem que o fim do mundo está a chegar; os que dizem tratar-se de um castigo de Deus, por a humanidade se estar a afastar dos seus desígnios ou os que dizem estarmos perante uma revolta da própria natureza, pelos desvarios dos homens.
Não estou em condições de confirmar nem de desmentir nenhuma dessas leituras. Porque me reconheço como produto da cultura ocidental judaico-cristã e clássica, gosto de analisar o devir coletivo e individual à luz de algumas das suas fontes, como a Bíblia e a mitologia grecoromana. Pode parecer uma perda de tempo a muitos; a mim, ajuda-me.
Ora, as provações coletivas que vivemos por causa da onda imparável do novo coronavírus e situações ligadas à minha vida profissional e pessoal têm-me trazido à memória a figura bíblica de Job e a mitológica de Anteu, que, na minha perspetiva, se complementam, por serem exemplos de quem faz da crise força futura.
Na verdade, face às dificuldades, há várias atitudes que podem ser adotadas, mas que, por simplificação, reduzo a duas: a instintiva e a sábia. Na primeira, agimos dominados pelos nossos instintos primários de sobrevivência, que, por norma, nos conduzem à destruição individual e coletiva; na segunda, controlados os instintos pessoais, recorremos à razão, em busca das melhores soluções não só para a sobrevivência, mas também para sairmos mais fortes do caos.
Um exemplo clássico do primeiro caso é o dos náufragos de Medusa (navio francês retratado por Théodore Géricault) especialmente dos 146 que se viram, por falta de botes de salvação, atirados para a balsa. Desses, só 15 se salvaram. Os restantes foram canibalizados ou lançados borda fora. O desespero libertou os instintos primários de sobrevivência, ainda que isso significasse a animalização do homem, com resultados desastrosas para quase todos.
Job, pelo contrário, é um exemplo de sabedoria perante a adversidade, um sábio que cultiva a resiliência, certo de que nem as maiores provações podem pôr em causa as mais profundas convicções assentes em valores eternos. Passada a crise, tudo há de voltar ao normal, com ganhos adicionais para quem resistiu ao mais duro crisol.
Anteu, por sua vez, é o modelo de quem faz da queda força futura, de quem aproveita a aparente derrota para se fortalecer e voltar a atacar com ímpeto sempre renovado.
Que atitude adotar, pois, perante esta crise? Cada um responderá por si. A mim, a vida tem-me provado que vale a pena saber ser resiliente, por mais difícil que seja dominar os ímpetos primários.