“Eu gosto tanto, tanto, tanto / de estar quieta, muito parada, / de fazer nada, coisa nenhuma, / e de fazer isso, que é não fazer / e de não estar, não ir, também. / Eu cá faço nada e todos / me dizem que faço isso muito bem”. Estas palavras, ditas pela preguiça e por Álvaro Magalhães, podiam ser as minhas, que sou professor: saiu-me a sorte grande, ganhei mais uns dias de férias graças do COVID-19 e estou sem fazer nada. Viva o confinamento social.
Como diretor de turma, nem quero ouvir falar de me articular com a escola, com os coordenadores de ciclo, com os professores do conselho de turma, que não quiseram enviar trabalhos para manter os alunos ativos, pensantes, criativos, úteis. Não vou encontrar uma forma de comunicar com a turma; de orientar tarefas para que os alunos enviem os seus trabalhos; de enviar para os professores; de aguardar respostas e enviar os comentários dos professores; de incentivar os alunos a refazer e a melhorar; de contactar encarregados de educação para saber como os alunos estão e para encontrar as estratégias certas para que eles efetivamente trabalhem; de reorientar as estratégias para os que se encontram impossibilitados de ir ao email, ou de comunicar noutras plataformas, pois muitos deles, sem computador e sem internet, também estão a “preguiçar” em casa (alguns se calhar até o fazem, mas acredito que, para a maioria, não é bem assim).
Tudo coisa fácil. Ah, ensinar pelo telefone é uma maravilha. Esquecer as avaliações, ignorar que estes trabalhos, por vezes, são a diferença entre um nível negativo e um positivo, ou entre o transitar ou não de ano. Queremos lá preocupações; chega.
Mas não se preocupem, porque os discursos oficiais autoelogiam-se com o facto de ter sido feito investimento em nova tecnologia, em salas do futuro, que possibilitam novas formas de ensinar e que habilitam as escolas para o século XXI. Ainda bem que todas estas maravilhas do mundo não estão, de momento, fechadas nessas mesmas escolas. Valha-me o meu computador, velhinho, pago por mim, que trabalho com o meu material, pagando do meu bolso, está fora de questão usá-lo para trabalhar. Vou ali à Netflix e já volto.
Não gosto da metáfora da guerra, pois muitos de nós não sabemos o que é ter bombas a cair ao lado e a matar vizinhos e amigos, não sabemos o que é querer encontrar comida para alimentar os filhos, querer ir para a escola e ela estar destruída, querer falar aos nossos familiares e eles estarem destacados em cenários de guerra sem a certeza de que voltarão. Mas sei que vamos sair mais fortes desta situação anómala. Cá estaremos para continuar a trabalhar com os nossos alunos e, talvez, aí sim, num futuro azul ou cor de rosa, “preguiçar à vontade”.