Nasce, assim, um novo imperativo categórico: se aos 70 anos a humanidade tem forças é para trabalhar
Depois de expulsos do paraíso, o homem e a mulher vaguearam sem por terras desconhecidas e hostis. A cada passo, parecia que o seu fim tinha chegado, mas o Senhor não podia deixar que isso acontecesse para que se cumprisse a maldição “Ganharás o pão com o suor do teu rosto!”. Já exauridos, encontraram um recanto sombrio, desprezado por todos os seres da Terra, onde puderam começar a experimentar o que custa a vida sem as delícias do paraíso imerecido. Não foi fácil nem para um nem para o outro, mas a mulher descobriu que o seu castigo era a dobrar, pois não só tinha de suar para justificar a comida com que ia enganando a fome como tinha de carregar o estigma de ser a grande responsável pelo drama existencial da humanidade.
Foram milénios e milénios de martírio com um único objetivo de vida: trabalhar arduamente do nascer ao pôr-do-sol para ganhar a mísera côdea com que enganavam a fome e retemperavam as forças que lhes permitiam levantar no dia seguinte para trabalhar, trabalhar, trabalhar… Parecia não haver forma de quebrar este círculo vicioso. Porém, os desígnios do Senhor são insondáveis e o seu coração não é empedernido como o dos humanos.
Gerações vieram, gerações desapareceram. A humanidade expandiu-se por toda a Terra, dominou todos os outros seres e prosperou. A vitalidade desta idade de ouro quase fazia esquecer as memórias do sofrimento experimentado nas longínquas idades da pedra, do bronze e do ferro. O homem percebera que os encantos da vida estavam mais no ócio do que nos negócios, por isso definiu horários de trabalhos compatíveis com uma existência mais próxima da vivida no paraíso genesíaco, de que continuava a ter saudades e a que aspirava voltar. Decidiu, também, um período máximo de vida para o trabalho, que deveria começar no início da idade adulta e terminar quando as forças começassem a fraquejar.
Tudo corria bem até que o Senhor, há muito esquecido, foi substituído nos comandos da humanidade por uns senhores que julgavam que o sol quando nasce é só para eles; que, ao contrário deles, o comum dos mortais precisa do trabalho para ser digno, pelo que o seu destino só pode ser trabalhar até à morte. Nasce, assim, um novo imperativo categórico: se aos 70 anos a humanidade tem forças é para trabalhar, pois nada mais há para os mortais realizarem à face da Terra. Só por essa razão, dizem, os vulgares humanos vivem, agora, mais tempo.
E assim – estávamos no século XXI da era de Cristo – a humanidade se viu de novo condenada ao degredo da Terra Prometida e entrava num novo período de trevas. Não era a primeira vez que isso acontecia, mas não deixava de ser doloroso este destino de Sísifo.