Pois é, por cada obra de milhões de euros, ganha meia dúzia de grandes tubarões, ficando milhares de trabalhadores privados do seu justo salário. Esta é a verdadeira razão por que se discute tanto o valor ridículo do salário mínimo. Não tenhamos dúvidas: como o cimento comandou a vida da RAM durante décadas, foi ele o grande culpado do buraco financeiro que levou aos cortes salariais de milhares de funcionários públicos para que pudesse ser tapado.
Não há eufemismo que possa amenizar a realidade: a proposta de Orçamento Regional para 2018 apresentada pelo Governo é a prova de que a mudança anunciada há pouco mais de 2 anos pelo atual executivo não passou de retórica de circunstância. Na verdade, tudo está claro: continua a apostar-se num modelo de desenvolvimento assente em matérias inertes, como se elas se pudessem desenvolver. Senhores, quem se desenvolve são as pessoas, não as coisas!
Bem podem os responsáveis por este orçamento tentar fazer-nos crer que não há alternativa ao modelo apresentado, como se isto de orçamentos fosse algo predeterminado, como se não houvesse livre arbítrio na hora de escolher entre o cimento e as pessoas. Mentira, a opção é consciente e com a intenção de beneficiar uns em detrimento de outros; os abastados em vez dos remediados ou dos que vivem com dificuldades; poucos em detrimento de muitos. Ora, isto leva-nos diretamente para o capítulo IV do Sermão de Santo António aos Peixes, do Padre António Vieira, que todos lemos e estudamos no secundário:
“A primeira coisa que me desedifica, peixes, de vós é que vos comeis uns aos outros. […] Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os pequenos [comessem] os grandes, bastaria um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande.”
Pois é, por cada obra de milhões de euros, ganha meia dúzia de grandes tubarões, ficando milhares de trabalhadores privados do seu justo salário. Esta é a verdadeira razão por que se discute tanto o valor ridículo do salário mínimo.
Não tenhamos dúvidas: como o cimento comandou a vida da RAM durante décadas, foi ele o grande culpado do buraco financeiro que levou aos cortes salariais de milhares de funcionários públicos para que pudesse ser tapado. Não foram, como se pretende fazer crer, os salários dos trabalhadores que causaram a crise. Ou seja, como diz o Padre António Vieira, poucos ganharam demais e usurparam a riqueza pública, mas quem teve de pagar foram os muitos que nada tinham a ver com isso e se viram obrigados a prescindir de uma parte do pouco que ganhavam. Como o cimento continua a comandar a vida da RAM, é também ele a verdadeira razão por que não há dinheiro para pagar os salários que os docentes deveriam estar a receber, conforme estipulado por lei.
Bem podem os senhores beneficiários do modelo de desenvolvimento do cimento continuar a tentar ludibriar os milhares de cidadãos da Região que já não conseguem esconder as suas intenções. Veja-se, a título de exemplo e de conclusão, aquela pérola da engenharia financeira que dizia que eram necessários 40 milhões para reabrir a marginal entre a Ribeira Brava e a Tabua; afinal, isso vai ser concretizado com, apenas, um milhão.
Esta, sim, não percebi. Podem-ma explicar para onde iriam os outros 39 milhões?
Quantas obras realizadas e por realizar não estariam ou não estarão inspiradas na matriz de tal trapaça financeira?
Pois não há dinheiro não, o cimento comanda a vida!