A engenharia político-partidária que levou à formação do atual governo de minoria constituiu um novo momento de libertação
Feliz coincidência esta de escrever entre duas datas tão memoráveis como o 25 de Abril e o 1º de Maio. Embora de significados muito diferentes, as duas complementam-se perfeitamente; aliás, como se constatou há 43 anos, ou seja, em 1974, quando o Povo Português saiu em massa à rua para, confirmada a vitória da Revolução, celebrar, finalmente, em liberdade, o Dia do Trabalhador. Foi o dia em que Portugal oprimido perdeu o medo e em que encarou o futuro com otimismo.
Olhando hoje as reivindicações (1.° de Maio como feriado; liberdade sindical; liberdade de reunião e de manifestação; fim à carestia de vida; instituição do salário mínimo nacional; redução do horário de trabalho para 40 horas semanais em cinco dias; imprensa livre; direito à greve; extinção da PIDE e libertação dos presos políticos) dos organizadores (23 sindicatos) dessas comemorações, não temos dúvidas de que a situação que vivemos hoje como trabalhadores não tem comparação com a que, então, se vivia. No entanto, esta constatação, mais do que nos acomodar, deve motivar-nos para a exigência da reposição dos direitos que foram retirados aos trabalhadores nos últimos anos e para inflamar a luta pela conquista de outros que, sendo justos, só não são alcançados porque a justiça social continua a ser uma miragem.
Transpondo, metaforicamente, o que se passou nessa primavera de luz e de esperança para os nossos dias, podemos dizer que a engenharia político-partidária que levou à formação do atual governo de minoria suportado pelo apoio dos partidos de esquerda constituiu um novo momento de libertação e de otimismo (prova disso é que poucos têm saudades do ex-primeiro-ministro, mesmo dentro do seu partido). No entanto, falta materializar o discurso das boas intenções, e, como há 43 anos, concretizar um conjunto de medidas concretas que dêem resposta às exigências dos trabalhadores, pois o que temos ouvido e lido, nas últimas semanas, é completamente assustador e contradiz a esperança que os primeiros tempos do atual governo trouxeram aos Portugueses. Deixo aqui, apenas, três exemplos, por falta de espaço para mais: adiamento dos descongelamentos até 2021, ao contrário do que estava prometido, 2018; aposentações antecipadas só para quem tenha 46 de descontos, quando 40 significam uma carreira longa; um programa de combate à precariedade (PREVPAP) que deixa os docentes de fora.
É motivo para parafrasearmos Fernando Pessoa:
Cumpriu-se a viragem e o pesadelo se desfez.
Senhor, falta cumprir-se o povo!