Ricardina Ferraz ladeada por Francisco Oliveira, coordenador do SPM, e Amélia Carreira
“Camilo – as duas margens” foi o tema da conferência proferida pela professora Ricardina Ferraz, em 27 de maio, no SPM, que deu conta do percurso literário do autor, com influências do Romantismo («classizado») e Realismo («incursão» parodiante), bem como da vida de «boémia» e «paixão», que termina de forma trágica, do autor de Amor de Perdição. Esta iniciativa do Departamento dos Professores Aposentados («gostamos de cultura», notou Amélia Carreira, que fez as honras de apresentação) foi precedida por uma exposição sobre Camilo Castelo Branco (álbum fotográfico).
Vida como um romance
Camilo escreveu a um ritmo alucinante, totalizando mais de 260 obras, o que dá uma média de seis livros por ano. É o escritor português mais publicado de sempre. A sua grande produção literária respondia a uma necessidade de sobrevivência material.
A vida deste escritor foi mais atribulada do que qualquer um dos seus romances, notou a preletora. Entre as suas paixões incluiu-se uma freira chamada Isabel Cândida, ele que andava «à revelia das convenções sociais». Era conhecido pelo seu mau feitio, mas também era compreensivo e compassivo. A morte do filho predilecto aos 19 anos é um marco na sua vida, bem como a cegueira crescente, que o faz cair no «desespero suicidário». Sem cura e desalentado, suicida-se com um tiro.
Sala cheia para conhecer melhor a vida e obra do autor de Amor de Perdição
Perdição no amor
Amor de Perdição (1863) consolida a reputação e traz fama a Camilo Castelo Branco, que escreveu o romance em duas semanas, na Cadeia da Relação do Porto. Sem abandonar os cânones clássicos, é influenciado por Almeida Garrett, que introduziu o Romantismo em Portugal. A sua obra é predominantemente romântica. Mas, a par dessa filiação romântica, há a filiação realista (as duas margens referidas no título da conferência). Como nota Jacinto Prado Coelho, o romantismo do autor é «classizado» e «contido».
Os elementos românticos em Amor de Perdição, narrativa passional dos amores contrariados de Simão e Teresa, tem a ver com o amor, a mulher, o tédio, a melancolia, o desespero ou a morte tão recorrentes no Romantismo. Há o conflito com a sociedade, os encontros e desencontros, a profunda angústia, o destino trágico e uma «sublimação do amor através da morte», de acordo com o «ideal romântico».
Marcado pela transcendência, esse amor trará consigo sempre um equivalente de sofrimento e de infelicidade, bem como a percepção de que o amor mais sublime (paraíso na terra) é aquele que se apresenta e se revela, em última análise, como impossibilidade. Ambos sucubem: ele à «separação», ela às «contrariedades». Teresa, descrita como pura, casta, angelical e frágil, é o «protótipo da mulher romântica».
Leitura de excertos da obra predominantemente romântica, mas não só, de Camilo Castelo Branco
Incursão ao Realismo
Os elementos realistas de Amor de Perdição estão na crítica às instituições religiosas, aos conventos e no comportamento não-passional de alguns personagens secundários, como João da Cruz.
Caracterizado como «ideologicamente flutuante», a liberdade seria central para Camilo Castelo Branco como era apanágio do Romantismo. Em Amor de Perdição, Simão prefere a liberdade do exílio a ficar condenado na prisão. Recorde-se que, o próprio escritor, tivera a experiência do cárcere. E, no final da vida, prefere o suicídio à “prisão” da cegueira.
Camilo faz uma incursão à margem do Realismo e do Naturalismo, correntes estéticas que surgem em contraponto ao «idealismo exagerado». Passa-se a focalizar os «factos tal e qual se apresentam», numa busca das «essências» desmistificando as «hipocrisias da sociedade». Daí a denúncia e a crítica social, por via de uma linguagem mais «objectiva» e «próxima da realidade», em que é feito um «retrato nu e cru do real». O pendor crítico e interventivo visa «revolucionar mentalidades retrógradas» num país «decadente», com o culto da aparência e do que fosse estrangeiro.